sexta-feira, março 17, 2006

Por uma decada diferente

Aquilo que na década de 50 era a opção politica marcada por abordagens completamente diferentes do fenómeno económico é hoje algo completamente ultrapassado. A diferença entre esquerda e direita tornou-se irrisória nas nossas sociedades, especialmente apartir do momento em que o eleitorado de centro passou a decidir eleições. Todo o candidato seja ele socialista ou social-democrata se apresenta como um homem do centro procurando captar votos em ambos os quadrantes. E na sua acção governativa as medidas são pouco diferenciadas. O que acaba por distinguir os lideres políticos em sociedades pequenas, periféricas e altamente influenciáveis por uma conjuntura externa é a sua capacidade de tomar medidas pouco populares.

Na década de 80 Portugal precisava de um líder que procedesse a um conjunto de reformas estruturais pouco populares e soubesse tirar partido de injecções de capitais provenientes dos fundos europeus. A FBCF torna-se a palavra de ordem e o crescimento do PIB é feito a todo o custo. Essa é a era das grandes obras públicas, as quais permitem manter uma economia cheia de deficiências em crescimento constante. Vivem-se os primeiros passos integracionistas europeus e a realidade nacional começa a mudar. Com um rendimento na casa do 50% da média européia, Portugal cresce graças aos investimentos públicos e à mão-de-obra barata. No entanto as injecções de capital e a modernização do tecido econômico feitas à custa dos impostos pagos por contribuintes do norte da europa, aliados à consolidação de um modelo de economia aberta esgotam por completo esse tipo de acção governativa. A queda do muro de Berlim abre portas a sociedades mais competitivas, com mão-de-obra mais qualificada e barata que a por nós oferecida.

Torna-se então necessário que os candidatos políticos apresentem características que são estranhas ao político cá do burgo. Nos dias de hoje é necessário encontrar um líder partidário que mostre estar acima de jogos partidários, de amor ao poder e de das pressões exercidas pelos lobbies que sempre condicionaram as opções politicas nacionais. E isso nunca conseguiu Portugal fazer.

Após a saída de Cavaco Silva tivemos o homem do diálogo que pouco fez no sentido de modernizar o tecido produtivo. As reformas impopulares foram adiadas e a opção continuou a centrar-se em medidas ultrapassadas, que no passado haviam dado resultado. Surgem os investimentos públicos na Expo 98, na Ponte Vasco da Gama, etc... A percepção da falência do modelo e a incapacidade de o inverter leva o líder a abandonar o barco a meio da viagem.

O novo timoneiro é por muitos visto como um dos eternos candidatos a líder do PSD. Após a saída de Cavaco Silva, Durão sempre demonstrou forte interesse em ocupar o cargo. Assustador é o facto de que quando as circunstancias eram mais fáceis o partido não confiou nele, para lhe entregar a liderança quando a tarefa demonstra ser olímpica. Mais uma vez quando se apercebe da complexidade da tarefa e do facto de que as soluções por si preconizadas não levam o barco a bom porto, ele abandona a embarcação.

Um terceiro aventureiro surge pronto a endireitar o rumo. Entre copos na noite lisboeta e umas quecas em meia dúzia de meninas do jet-set, Santana afirma estar pronto para por o país de novo nos eixos. E mais uma vez opta pelas mesmas medidas falhadas do seu antecessor. Recorrendo ao conceito Keynesiano de ciclo económico defende significativos investimentos públicos como forma de compensar a retração do investimento privado. Surge a OTA, o TGV, etc... etc... Aquilo que são as medidas de fundo, as reformas necessárias, a credibilização da atividade económica e restabelecimento da confiança do investidor são relegados para segundo plano. E como consequência temos a continuação do estado depressivo e o agravar de todos os indicadores económicos. Passaram dez anos com governos que olharam para os investimentos públicos como a solução de todos os problemas. Esse conceito que foi criado por Keynes no inicio do Sec. XX era a doutrina do político nacional do Sec. XXI.

Não defendo ideias socialistas mas defendo Sócrates. Penso que pela primeira vez nos últimos dez anos temos um primeiro-ministro com capacidade para mexer em temas complexos. As reformas começaram e a confiança começa a ser restabelecida. Os agentes económicos demonstram novamente vontade de investir numa economia da qual se tinham afastado faz muito tempo. Ele criou as condições para que se mantenha no governo por pelo menos dois mandatos e dessa forma evitou as pressões inerentes à popularidade das medidas adoptadas. Garantindo a estabilidade governativa todas as medidas virão com tempo.

Não deixo de achar estranho que muitos olhem para Sócrates e que o critiquem por motivos que em nada dizem respeito ao papel por si desempenhado. Criticam-no por ser socialista como se nos dias de hoje e em sociedades como a portuguesa as diferenças entre a esquerda a direita fossem significativas. Criticam-no por ser homossexual, como se para se ser primeiro-ministro seja necessário encaixar num leque de potenciais parceiros sexuais do eleitor. Criticam-no por ser inconformista, como se a sociedade portuguesa vivesse tempos maravilhosos em que deveríamos dizer a qualquer politico para não mexer em nada sob pena de estragar o que é perfeito.
Não percebo. Mas acho que cada sociedade é feita da soma de muitas cabeças individuais e que a sua maioria dita a lei. Como tal acabamos por ter o que merecemos, como em quase tudo na vida. E o português parece gostar de se poder queixar. Quando surge alguém que pode por as coisas em ordem, esse alguém assusta o povo. De que se poderiam queixar então?

2 comentários:

Duschy disse...

Pândego...
Nem sempre essa visão lisa e fatalista do povo português é tão certa assim...e no momento que vivemos ela não é mesmo verddeira....as criticas que se faz a Sócrates não tem só a ver com esses comentários infantis....existem também criticas sérias e contundentes a fazer à sua governação... Claro que isto não quer dizer que tudo o que o homem faz está errado, ninguém diz isto.
Mas existem perspectivas diferentes da vida...tu por exemplo entendes que o Durão abandonou o barco como o Guterres, eu pelo meu lado entendo que foi radicalmente diferente, que se baseou numa escolha pessoal e nacional maior. Assim, como o modo como olhas para Sócrates...pensas que ele é óptimo e que está a fazer as reformas que há muito se pediam, quando outros podem legitimamente achar que pôr "um pó de arroz" na cara, não chega para se dizer que se fez um "lift". Principalmente, podem fazer criticas aqueles que não sabem o que fazer para sobreviver condignamente...esses não criticam o sócrates por ele ser homosexual, mas sim porque cada vez menos têm poder de compra paa fazer face às suas despesas indispensáveis...
Pensa que em todas as coisas boas, há algo que se critica não por casmurrice, mas por sentido construtivo, para estarmnos ainda melhor.

RPM disse...

Minha querida Dushy,

Uma das coisas que penso que faz do debate político algo de engraçado é a dualidade de ideias. Duas pessoas podem ter ideias diametralmente opostas e nenhuma delas está certa ou errada. Encontram-se em polos diferentes do espectro político e como tal tendem a ver respostas diferentes para a mesma questão. Nenhuma delas mais ou menos válida.
No que dizes existem dois elementos com os quais não concordo.
O primeiro diz respeito ao interesse nacional da fuga de Durão. Foram vários os primeiros-ministros ao longo dos últimos anos a quem foi proposta a presidência da comissão. Alguns deles no mesmo momento em que a proposta foi feita a Durão. Todos declinaram o convite alegando compromissos nacionais e responsabilidades pessoais para com o eleitor que neles votou. Existe uma excepção a esta regra e chama-se Durão (único líder da comissão saído de um governo em funções).
Em segundo lugar a falta de poder de compra dos portugueses está ligado a um conjunto de medidas erradas tomadas ao longo da última década. Os problemas são estruturais e não conjunturais. E nenhum primeiro-ministro responsável pode prometer inverter de forma drástica as coisas num mandato, muito menos faze-lo em doze meses de governação. Os resultados de qualquer politica reformistas estendem-se no tempo. Levam anos a implementar e anos a dar frutos. O que digo é que finalmente alguém assume a postura reformista, ao contrário da estratégia de pura letargia em que vivíamos.
E é nesta nossa divergência de pontos de vista que reside a tal dualidade que torna interessante o debate político. Até porque penso que em questões de natureza politica nunca convences ninguém.